Vocação de Poeta
Recentemente, ao repousar
Sob essa folhagem
Ouvi bater, tique-taque,
Suavemente, como em compasso.
Aborrecido, fiz uma careta,
Depois, abandonando-me,
Acabei, como um poeta,
Por imitar o mesmo tique-taque.
Ouvindo assim,
Saltar as sílabas,
Desatei de repente a rir,
Durante um bom quarto de hora.
Você poeta? Você poeta?
Estará assim mal da cabeça?
"Sim, senhor, você é poeta"
Diz o pica-pau, encolhendo os ombros.
Quem espero eu neste arbusto?
Quem estarei a espreitar como um ladrão?
Uma palavra? Uma imagem?
Logo a minha ruína aparece.
Nada do que rasteja, ou que saltite
Escapa ao impulso dos meus versos,
"Sim, senhor, você é poeta",
Diz o pica-pau, encolhendo os ombros.
A rima é como uma flecha,
Que temor, que tremor,
Ao penetrar no coração,
Lagarto a contorcer-se!
Morrerão assim, pobres, diabos,
Ou ficarão embriagados,
"Sim, senhor, você é poeta",
Diz o pica-pau, encolhendo os ombros.
Versículos informes que se atropelam,
Pequenas palavras loucas, que efervescência
Até que, linha a linha,
Pendem todas do meu tique-taque.
Haverá espantalhos
A quem isso diverte? Os poetas serão impiedosos?
"Sim, senhor, você é poeta",
Diz o pica-pau, encolhendo os ombros.
Troça, pássaro? Deseja rir?
O meu cérebro já tão doente,
Estará o coração ainda pior?
Ah! Receia, teme o meu rancor.
Mesmo no íntimo da cólera,
O poeta rima a direito.
"Sim, senhor, você é poeta",
Diz o pica-pau, encolhendo os ombros.
Nietzsche
Fonte:
A Gaia Ciência - Nietzsche
Tradução:
Heloísa da Graça Burati
Imagem:
Pica-Paus-do-Campo - Diálogo no Telhado - Canguçu - RS - Brasil - 27/12/2018
Foto:
Loila Matos
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