Saga Um pouco a pé, um pouco nas carretas, cheguei até aqui com os pioneiros. Vim desbravar um chão desconhecido. Terra selvagem; mapa dividido cortando a América, de sul a norte (pobres despojos da caça abatida que a avidez de Algarve e de Castela, a dente e garra, repartia em dois). Depois... os ranchos de barro e taquara, quincha de Santa Fé - casa e trincheira - e os palanques cravados no chão novo - marcos de posse, sinais de conquista. As labaredas dos fogões ao vento, drapejando no ar novas bandeiras, nessas planuras de perder de vista. Num orago a imagem protetora trazida de além-mar - santa e padroeira - aos pés da qual rezei quando as estrelas punham velas no altar do fim do dia. Plantei a terra aberta pela enxada pra o milagre do sonho e da semente. Dei ternura e amor ao meu marido; povoei com filhos a terra abençoada. Partejei como os bugres meus filhotes. Cada macho nascido outro gaúcho, um ginete, uma lança, uma outra espada! Cada fêmea arrancada do meu ventre outra esquecida, nessa luta inglória de ser mulher no amanhecer da história escrita pelos homens, simplesmente. Fui mulher e fui mãe, fui curandeira. Fiz promessas, chorei, benzi tormentas; aprendi rezas pra amansar a morte; cantei cantigas e curei feridas. Com pão e vinho celebrei a vida; com os olhos no céu tracei meu norte. Com mil cruzes pontuei o meu passado, ao enterrar os mortos pelas guerras que mudaram fronteiras e tratados. Na saga que vivi no Continente, se nome tive algum foi Ana Terra. Pois, como Anita, andei fazendo guerra, mas não abandonei a minha gente que fez deste rincão pátria e querência. Para viver aqui o tempo inteiro, anônima trilhei o meu calvário e desprezei o amor de Garibaldi pra ser mulher de Pedro Missioneiro. As lágrimas verteram meu desgosto, mas o sorriso iluminou meu rosto pra o amor que das penas nos redime. Nas tempestades que enfrentei na vida, se me vergaram ventos, eu fui vime; permaneci em pé sem ser vencida. Busco há duzentos anos o horizonte, lutando sempre contra o preconceito de ser mulher e de sentir no peito amor por essa terra que é tão minha, porque as vidas vivi - todas que tinha - pra conquistá-la e ter esse direito! Colmar Duarte lua nova de janeiro, 2000 Fontes: Tempo de Viver - Poemas Campeiros; Colmar Duarte http://www.paginadogaucho.com.br/poes/colmar-saga.htm |
Nenhum comentário:
Postar um comentário